EducaDOR e Desumanidade

Olá amigos do Arte da Criança.

Preciso registrar aqui, em forma de artigo, uma conversa que acabei de ter com alguns educadores.
Esta conversa aconteceu dentro de uma reunião virtual com educadoras que estão fazendo parte do novo projeto aqui do Arte da Criança, a Assessoria Musical para Educação Infantil [A.M.E.I.]
A conversa se iniciou com assuntos referentes à plataforma do projeto e ideias que estão surgindo, mas rapidamente migramos para o assunto do momento, a questão das aulas online para crianças pequenas.
Acontece que todos ali na reunião são educadores da primeira infância e estão passando por esta fase complicada de entender o que devemos fazer neste momento.
A conversa mostrou um pouco de realidades distintas que estão vivendo cada um dos educadores ali presentes, mas de forma geral o sentimento que se destaca é o sentimento de que não estamos fazendo o que é a “missão” da educação infantil. Parece que facilmente os espaços de educação infantil estão migrando para ações desconectadas do que deveria ser o mínimo esperado para a educação infantil.
Nos parece, pelos relatos na reunião, como também pelos comentários em post no facebook sobre este tema, que infelizmente a pandemia que estamos vivendo está deixando ainda mais escancarada a percepção de que muitas escolas estão trabalhando de forma desconectadas da realidade indicada por tantos documentos muito interessantes da educação infantil. Documentos normativos, e que indicam um trabalho voltado ao protagonismo da crianças em suas descobertas, com o educador sendo o grande mediador destas descobertas.

Nós aqui do Arte da Criança estamos muito ligados nas falas, em formato de lives e vídeos gravados, do Prof. Paulo Fochi, pessoa que admiramos muito e que nos ajuda a organizar o pensamento, o que está sendo muito importante nesta situação totalmente atípica. E o Prof. Paulo tem levantado esta questão de que o momento atual é muito diferente de tudo que já vivemos e que não existe receita pronta para este momento. Mas ao mesmo tempo temos muitas indicações sobre como agir agora, se pensarmos sobre a estrutura fundamental do que é esperado como prática e posicionamento filosófico para espaços de educação infantil.

E este mínimo esperado, se já vem sendo construído a tempos pelos educadores e escolas, pode indicar ações para a tensão atual.

Se lembrarmos, por exemplo, que currículo na educação infantil deve ser ligado ao cotidiano das crianças, então já temos um possível caminho a seguir nesta fase de isolamento social não?

Se pensarmos que as crianças na educação infantil tem direitos e não deveres, já temos mais muitas indicações de como agir, não?

Se lembrarmos que crianças até 2 anos não devem ser expostas a telas (computadores, tablets e celulares), e que crianças entre 2 e 5 anos devem ser expostas por pouco tempo a estas telas (segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria), temos então mais indicativos de como agir neste momento, concordam?

E o que talvez seja o principal e que não deve ser esquecido: o bom senso.

Uma questão que foi levantada neste papo virtual com os educadores é que não sabemos a realidade de cada família nesta pandemia. Não sabemos, por exemplo, se o pai tem condições de fazer com as crianças as ações sugeridas pelos educadores em vídeos e lives.

Não sabemos se os pais tem, por exemplo, recursos financeiros para acessar a internet, pois nem todo mundo tem uma rede wi-fi em casa. Será que todas as famílias estão com este acesso à internet, tão comum entre tantas pessoas?

Será que este pai ou mãe vai utilizar seus créditos de telefonia celular pré paga, para que o filho ou filha veja uma contação de histórias via vídeo? Ainda que as crianças não devessem ser expostas a telas?

Será ainda que estamos pensando nas crianças, no que elas estão vivendo, sentindo e entendendo, desta confusão mundial que estamos passando? Estamos acolhendo suas dúvidas, angústias e vontades dos pequenos, ou estamos fazendo de conta que está tudo bem e que criança não tem que pensar nestas coisas de adulto?

Estamos tentando trazer a rotina da escola para dentro das casas das crianças, imaginando que os pais conseguirão fazer o papel dos educadores?

Será que não seria melhor nos colocarmos à disposição das famílias, para qualquer problema que estejam vivendo, estendendo a mão e se mostrando disponível?

Será que os pequenos não querem apenas ver um pequeno vídeo, de 2 minutos, da professora dizendo que ela está bem e que também está em casa quietinha, mas que logo tudo isso irá passar? Apenas isso.

Como indica Paulo Fochi, será que não é o momento de sermos agentes de manutenção de vínculos, agentes de produção de espaços simbólicos e de construção de futuro?

Ao final desta conversa que tive com as educadoras, uma delas nos contou, que a primeira ação da escola onde ela trabalha, uma CEI da rede pública de São Paulo, foi conversar com os educadores, para saber como eles estavam. Querendo saber como os educadores estavam lidando com tudo isso, se estavam bem, se estavam sabendo lidar com os medos e dúvidas.

Que coisa não…

Que bom saber que alguns espaços estão precoupados com o bem estar dos educadores e claro, diretamente com o bem estar das crianças, pois cuidar do educador é cuidar da criança.

E que triste saber que muitos outros espaços estão preocupados em comprovar que o educador está trabalhando, mesmo de casa, está produzindo, está em ação, em atividade, estão fazendo valer o salário que está recebendo, mesmo estando em casa.

Mesmo estando em casa?

Como assim?

Não estamos em casa porquê queremos, estamos sofrendo com esta situação, ninguém está se divertindo ou feliz por estar em isolamento social.

Ah! E uma outra informação que esta professora nos trouxe, ela nos relata que a CEI está enviando dicas e sugestões por escrito, POR ESCRITO, POR ESCRITO, via whatsapp, para as famílias. E que quinzenalmente, QUINZENALMENTE, as professoras fazer uma chamada ao vivo via internet, apenas para dar um oi aos alunos, para que também os alunos vejam uns aos outros, sem peso de atividade, de nada, APENAS PARA DAR UM OI E DIZER QUE ESTÁ TUDO BEM.

Mas semanalmente estão enviados as sugestões para os pais e portanto estão seguindo o que está sendo indicado pelo poder público.

A palavra do momento não deveria ser ACOLHIDA?

Não é isso que esta escola está fazendo?

E nem vou entrar aqui em outra questão, questão que nem deveria ser pauta atual. Que é a quantidade de escolas enviando arquivos com desenhos prontos para a criança pintar com os pais, atividade totalmente desconectada de tudo o que deveria acontecer na educação infantil. Nem vou tocar neste assunto, quem sabe em outro artigo.

Pois é, vamos tentando, vamos tentando cuidar de nós, dos pequenos e de quem não está percebendo as revoluções e quebras de paradigmas urgentes.

Será que este vírus não está entre nós para que questionamentos urgentes sejam feitos?

Fica aqui nosso convite à reflexão, e quem sabe também um convite à desobediência do bem.


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